Quando o assunto é petróleo, os interesses em jogo são muitos e ganham importância geopolítica e estratégica. Não poderia ser diferente que, ao redor do pré-sal, surgissem propostas e projetos de disputa. Aglutinadas em torno da campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”, organizações de esquerda têm procurado pautar uma forma de explorar as reservas do óleo de maneira a beneficiar os verdadeiros dono da riqueza: o povo.


A conjuntura, porém, é adversa, principalmente devido à legislação que hoje rege o setor. “A [nova] lei traz avanços, mas devemos compará-los com aquilo que poderia ser, e não em relação ao pior modelo de exploração, que é o que temos”, explica Ronaldo Pagotto, militante da Consulta Popular e integrante da campanha O Petróleo Tem Que Ser Nosso. A seguir, leia a entrevista.


Brasil de Fato – Quais são as propostas dos movimentos sociais aglutinados em torno da campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”?

Ronaldo Pagotto – A questão central é como o povo brasileiro pode se beneficiar das riquezas do pré-sal. As propostas incluem desde o fim da realização de leilões para todas áreas, não só a do pré-sal; toda operação realizada por uma empresa 100% estatal e pública, da onde vem a bandeira da reestatização da Petrobras. Outras propostas levam em conta a preservação do meio ambiente, investimento em ciência e tecnologia para desenvolver energia limpa e renovável, o respeito à soberania de outros povos, tendo em vista a atuação da Petrobras no mundo, já que hoje atua em 27 países; e a não-exportação do petróleo cru, visando um desenvolvimento da indústria nacional petroquímica. São propostas que têm como objetivo permitir que o povo se aproprie dessa riqueza, pois o petróleo brasileiro é do povo e deve ser usado para enfrentar as dívidas sociais históricas do nosso país. Outro elemento importante é que a apropriação da renda não deveria apenas ser resumida na apropriação pelo Estado, mas estar vinculada a um destino específico que, no nosso entendimento, seria a criação de um fundo social, com controle social, para sanar as demandas do povo brasileiro, como a reforma agrária e urbana, investimentos em saúde, educação pública e de qualidade em todos níveis, fomentar trabalho e renda. Então, não é apenas a apropriação pelo Estado, mas também garantir sua destinação social.


Dentro do que propunham os movimentos, como avalia a proposta apresentada pelo governo federal?

A proposta foi feita nos últimos 12 meses em um sigilo quase absoluto. O que sabíamos eram informações advindas do mercado ou extra-oficiais. Ela tem aspectos positivos e negativos. Positivamente, prevê o destino da renda do petróleo – no caso limitando-se ao que será extraído do pré-sal – para esse fundo social. Um segundo elemento é o contrato de partilha que, em relação ao contrato de concessão, é um avanço, pois permite maior apropriação da renda, obtida no de concessão pelo recolhimento de impostos e bônus. Agora, as empresas passarão parte do óleo produzido, sendo que a quantidade que cada empresa repassará ficará definida a partir dos resultados dos leilões – onde já começamos a entrar na parte negativa. Mas, ainda na parte positiva, há o fato de que toda a operação será realizada pela Petrobras, que embora tenha na sua composição acionária 62% de capital privado, é uma empresa com a gestão controlada pelo Estado. Essa operação é encarregada de contratar pessoal, tecnologia, compra de maquinário, serviços, e isso sendo realizado por uma empresa com orientação do Estado, pode voltar-se para fomentar a indústria nacional e a cadeia nacional de produção e exploração do petróleo. Então, em relação ao que temos hoje – a Lei 9478 –, é um avanço.


E quais são os pontos mais criticáveis das novas propostas de lei?

Primeiro, a proposta não altera o quadro atual do destino dos royalties, que ficam concentrados nos municípios e Estados produtores, e só uma pequena parcela vai para a União. Essa distribuição dos royalties é absolutamente injusta. No começo, o governo anunciou que isso iria mudar, mas nas últimas semanas, com pressão dos Estados produtores – Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, sobretudo –, recuou.


Por que o contrato de partilha é melhor?

Este ponto mostra o quanto a proposta é contraditória. Ele certamente avança em relação ao de concessão – que é a maior aberração da indústria do petróleo –, porém é insuficiente. Mas bem, avaliamos que, já que a operação não será feita por uma empresa 100% estatal e pública, o debate então se desloca para que tipo de contrato haverá, pois aí está prevista a forma de apropriação da riqueza produzida. Há, por exemplo, o contrato de serviços que é o que permite a maior apropriação da renda do petróleo por parte de um Estado, seria a melhor prática, digamos assim, se estamos falando de uma empresa que não é estatal por completo. Portanto, as justificativas dadas pela [ministra-chefe da Casa Civil] Dilma [Rousseff] para optar pelo contrato de partilha não se sustentam tecnicamente, economicamente e politicamente. AS mesmas justificativas são as que sugerem a adoção do contrato de serviços porque é o mais vantajoso para o Estado. O governo está fazendo uma opção política. Esse é um aspecto frágil. Um terceiro aspecto negativo é manter o contrato de concessão para as demais áreas que não estejam no pré-sal. Um quarto elemento é a manutenção dos contratos dos leilões de áreas do pré-sal que já foram realizados, ou seja, essas novas regras não valem para 28% da área do pré-sal. A lei traz avanços, mas devemos compará-los com aquilo que poderia ser, e não em relação ao pior modelo de exploração, que é o que temos.


Se há outros contratos mais vantajosos, por que fazer em partilha?

A vantagem não existe, esse é o ponto nefasto. O governo afirma que precisa do investimento das transnacionais, pois a Petrobras não conseguiria produzir todo petróleo do pré-sal. Para começar a perfurar e produzir, precisa de um investimento inicial e o valor é muito alto – isso porque demora um pouco para começar a dar lucro. A diferença entre concessão e partilha é que na primeira o Estado obtém renda só com impostos; no segundo, também há impostos, mas uma parte do óleo oriundo da partilha e sob gestão da Petrosal é é renda líquida para o Estado. A nova estatal é apenas um mecanismo jurídico para que o Estado receba o petróleo e distribua esse óleo.


Se a operação fosse realizada por uma empresa 100% estatal, o modelo de contrato não interessaria, porque a renda iria toda para o Estado. Aí importaria apenas qual o destino que essa renda teria. Como não temos correlação de forças para reestatizar a Petrobras, deslocamos o eixo para qual tipo de contrato e destinação da renda seria mais vantajoso. Defendemos que, se é para ser partilha, a taxa com a qual o Estado deveria ficar é de 90% de todos os poços do Pré Sal, o que assemelharia a um contrato de prestação de serviços e, na prática, quase teríamos um monopólio estatal.