Memória afogada

19/02/2009 11:06:03

Leandro Fortes*

Desaparecidos há mais de três décadas, os corpos de 58 brasileiros mortos durante a Guerrilha do Araguaia, possivelmente assassinados a sangue-frio ou sob tortura pelo Exército, precisam ser encontrados em quatro anos. Ou cairão, para sempre, no esquecimento.

Com a aprovação do governo federal, o consórcio Gesai, formado por cinco gigantes industriais (Vale, Camargo Corrêa, Billiton Metais, Alcoa Alumínio e Votorantim Cimentos), vai construir uma hidrelétrica nas terras onde, provavelmente, estão escondidas as ossadas dos guerrilheiros do PCdoB. A barragem da usina vai inundar uma área de 24 mil hectares de terras às margens do rio Araguaia.

Além dos mortos, vão sofrer os vivos. Até 2013, mais de 2 mil pessoas serão retiradas compulsoriamente da região. Também ficarão submersos 113 sítios arqueológicos com 5,7 mil pinturas rupestres de até 8 mil anos de idade. Uma vez concretizada, será a maior perda de patrimônio histórico e cultural ocorrida de uma só vez no Brasil.

Em setembro do ano passado, o consórcio recebeu sinal verde do governo federal para começar a tocar o projeto de 2 bilhões de reais para a construção da usina hidrelétrica de Santa Isabel. O projeto estava bloqueado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), desde 2002, e era um dos pontos de atrito da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva com o Palácio do Planalto. Ela era acusada por técnicos do Ministério de Minas e Energia de atrapalhar o progresso na região em nome de questões ambientais radicais, quando não ideológicas. Enquanto esteve à frente da pasta, Marina, atual senadora pelo PT do Acre, não permitiu a construção da usina. Por essa razão, em 2004, ano previsto para o início das obras, o consórcio pensou em desistir do negócio.

Bastaram seis meses desde a saída da ministra para o Ibama mudar de ideia. Em setembro de 2008, sob a batuta do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o instituto iniciou uma política de revisão dos pedidos de licenciamento ambientais e, ato contínuo, travou novos entendimentos com o Ministério de Minas e Energia. O presidente Lula assentiu. Usinas como a de Santa Isabel, assim como muitos outros projetos de geração de energia, formam a coluna vertebral do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, “filho” e menina-dos-olhos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, preferida de Lula à sucessão presidencial, em 2010.

Em setembro passado, o Ibama entregou ao Gesai um “termo de referência para estudos complementares” com as linhas mestras para o consórcio refazer o estudo de impacto ambiental encomendado, em 2000, à empresa Engevix Engenharia, de São Paulo. O documento foi usado pelas empresas para a candidatura à concessão, conquistada via adiantamento de 160 milhões de reais pagos ao governo federal, ainda na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte, contudo, o Ibama embargou a continuação do projeto por considerá-lo danoso à navegação e ao meio ambiente do rio Araguaia, até hoje livre de barragens. Com a chegada da ministra Marina Silva, em 2003, a situação não melhorou para o consórcio.

(*Colaborou Luana Akemi)